Chega de migalhas! O tempo não me dá direito a elas e nem as quero. A criança de ontem que se contentava com tão pouco, despertou adulta hoje e quer caminhar com as próprias pernas.
Chega de fragmentos! Tudo o que quero é o “tudo”. O tudo que ao mesmo tempo é o nada. O nada e o tão pouco, mas que pode completar vidas, construir destinos e realizar sonhos.
Chega de beijos de olhos abertos nos momentos bons. Nos maus momentos eu também preciso deles.
Chega de beijos de olhos abertos nos momentos bons. Nos maus momentos eu também preciso deles.
Chega de mistificações! A única coisa que quero é ser eu mesmo e esquecer meus personagens. O fraque do ilusionista já está muito desbotado. Não há mais coelhos na cartola e nem cartas na manga. A maquiagem branca já não esconde as rugas do velho palhaço que não sabe mais contar piadas. As sábias palavras do poeta já não inspiram sussurros na lua e nem lágrimas no sol. Chega de brincar de mestre dos bonecos! O teatro da vida é duro e diferente, muitas vezes absurdo e ilusório.
Chega de compartilhar apenas sorrisos, quero também compartilhar lágrimas. Quero seca-las do teu rosto e quero que seque as minhas. Não quero apenas cantar minhas canções, quero também ouvir as tuas e se quiseres e eu também, cantaremos juntos. Não quero apenas ouvir tuas poesias e palavras doces, quero também ouvir os lamentos e as amarguras da tua vida.
Chega de presentes caros nas festas! Quero apenas uma florzinha amarela num dia de domingo à tarde e um beijo de bom-dia na segunda de manhã. Não estarei contigo apenas nos momentos de tua alegria, na tristeza também estarei perto, tão perto que poderás chorar no meu ombro o quanto quiseres e se não quiseres chorar, entenderei que às vezes temos que chorar sozinhos.
Não te condenarei quando demonstrar que não compartilhardes de minhas idéias, pois cada um de nós é uma estrela e cada estrela brilha no seu céu. Não quero te acorrentar ao meu destino e quando partires em busca dos teus sonhos, quem serei para julgar-te certo ou errado? Quem eu serei para acusar-te de egoísmo? Egoísta eu serei se fizer isso! És uma estrela, e como tal, tens um céu para governar...
Não pedirei nada que não quiser me dar. Esperarei tranqüilo dentro da crisálida prateada o momento do despertar e alcançar os ventos outonais. Não me ofenderei e nem te ofenderei quando quiser partir e tu não deixar! Às vezes uma estrada surge em nossa frente e com os pés descalços e feridos por espinhos, devemos caminhar até a encruzilhada sob os salgueiros e escolher um caminho. Minha estrada já não tem tantos caminhos, cansei-me das curvas, cansei-me das idas e vindas, cansei-me dos atalhos que nos deixam ainda mais longe do paraíso.
Cansei de ouvir que todos homens deveriam ter cabelos compridos e todas as mulheres serem independentes. Cansei de ouvir que todos homens deveriam ser fortes e todas as mulheres magras. Como é bom não ser como Pedro, João ou José. Como é bom não ser como Maria, Teresa ou Lúcia. Como é bom ter nossa própria loucura, nosso próprio modo de falar, nosso próprio jeito de se vestir e andar, nosso próprio sonho. Tudo que é próprio é muito bom, quer seja mau ou quer seja bom.
Cansei de dançar no mesmo ritmo de músicas invisíveis, danço seguindo as batidas do meu coração e cada coração bate de um jeito. Cansei de pedir, cansei de dar. Nada é tão dado. Nada é tão incondicional. Amor incondicional? Paixão contida. Do que vale ser um gênio dentro da lâmpada? Pra quê decifrar o enigma da esfinge, quando o bom seria ser devorado por ela?
Como é bom ser uma metamorfose entrando em metástase na alma, pois chegará o dia que as portas serão abertas e as janelas quebradas, e o pássaro amarelo será liberto de seu cativeiro para perecer no sereno da noite de inverno. Isso é loucura incondicional! Loucura incondicional? Uma desculpa que esconde o medo de sermos nós mesmos. O medo de conhecermos como somos. É muito fácil ser louco, pois o sol nasce para todos. É muito fácil ser racional, pois as estações mudam! Somos inferiores aos deuses, pois eles são os senhores de seu próprio destino, mas também somos superiores a eles, pois enquanto eles permanecem imutáveis desde o início dos tempos, nós homens mudamos a cada onda e a cada brisa.
Chegará o dia em que nossos sorrisos não esconderão mais nossas dores e neste dia não quero que vertas tuas preciosas lágrimas em minha homenagem e não quero ver-te de joelhos pedindo o bálsamo para minhas feridas ao mundo. Não quero que desconhecidos meus e teus, me abracem solidariamente quando estiver morrendo e não quero que na tua morte, seja consolado por um melhor amigo.
Ninguém me conhece tanto e nem conheço ninguém o bastante para considera-lo como “meu melhor amigo”. O melhor de se ter um melhor amigo, é que assim saberá quem te trairá primeiro. Alguns com um beijo, com frases lisonjeiras e outros, com um punhal. Prefiro um punhal cravado no peito e não palavras vis sussurradas por língua-de-serpente e beijos frios.
Como seria bom morrer em paz sem ver a dor nos olhos daqueles que ficarão, pois chegará o tempo em que o mesmo portal que me viu entrar me verá sair e aí sim saberemos quem somos e o que somos. Vendo tudo de fora, aí sim entenderemos por que o elemento humano é algo tão incompreensível aos olhos que não enxergam. Aí compreenderemos por que somos semelhantes aos deuses e ao mesmo tempo tão diferentes destes. Aí veremos os dois lados da moeda e também sua extremidade e, justamente, nas pequenas extremidades é que veremos o verdadeiro elemento humano, este que se manifesta nas coisas mais pequeninas e desinteressantes que nunca damos uma real importância.
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